Documentário brasileiro contemporâneo

O documentário brasileiro contemporâneo vive um período de efervescência cultural notável, realizando-se na indeterminação entre autenticidade e encenação, pessoa e personagem, público e privado, vida e cena. Nesse panorama em que os trânsitos entre a ficção e o documentário estão na pauta do audiovisual contemporâneo e da própria vida cotidiana, o documentário brasileiro nos leva a questionar: o que eu vejo na tela? Realidade, verdade, manipulação, ficção ou tudo ao mesmo tempo? Questões que pertenciam apenas ao cinema, mas que, diante do mundo-espetáculo em que vivemos, se tornaram questões que dizem respeito a todos nós.

A partir da exibição de trechos de filmes diversos, o curso reflete sobre o que significa viver num mundo mediado por imagens – entre a verdade e a ficção – em um momento histórico em que os âmbitos público e privado passam importantes mutações.

 

 

Alguns dos mais comoventes documentários brasileiros contemporâneos, como Jogo de cena (Eduardo Coutinho, 2007) e Santiago (João M. Salles, 2007), recusam a confissão da intimidade de seus personagens. Ao atuarem na contramão do confessional-midiático, esses e outros filmes transitam entre o singular e o coletivo, a verdade e a fabulação, o privado e o político.

 

Filmes de referência:

Jogo de cena, de Eduardo Coutinho (RJ, 107’, 2007)

Santiago, de João Moreira Salles (RJ 79’, 2007)

Os dias com ele, de Maria Clara Escobar (SP, 107’, 2013)

Vó Maria, de Tomás von der Osten (PR, 06’, 2011)

Ovos de dinossauro na sala de estar, de Rafael Urban (PR, 12’, 2011)

 

A opção por um ensaísmo documental, baseado em um horizonte de indeterminação entre a ficção e o documentário, tem pautado diversos documentários recentes, que suspeitam de seus próprios métodos e procedimentos. Nesse contexto em que a ficção se documentariza e o documentário se ficcionaliza, não caberia também colocar o documentário sob suspeita?

 

Filmes de referência:

Pan-cinema permanente, de Carlos Nader (SP, 83’, 2008)

Juízo, de Maria Augusta Ramos (RJ, 100’, 2008)

Filmefobia, de Kiko Goifman (SP, 80’, 2009)

O céu sobre os ombros, de Sérgio Borges (MG, 72’, 2010)

Branco sai, preto fica, de Adirley Queirós (DF, 90’, 2014)

Serras da desordem, de Andrea Tonacci (SP, 135’, 2006)

As aventuras de Paulo Bruscky, de Gabriel Mascaro (PE, 19’, 2010)

 

Imagens amadoras, domésticas, precárias. O que está em jogo quando o documentário, os telejornais, os shows de realidade e variedades na televisão, a publicidade e a arte contemporânea disputam essas mesmas imagens? Estaríamos diante da ascensão de novas formas de visibilidade em que o amador torna-se o documentarista e o trabalhador por excelência?

 

Filmes de referência:

Rua de mão dupla, de Cao Guimarães (MG, 75’, 2004)

Pacific, de Marcelo Pedroso (PE, 72’, 2009)

Doméstica, de Gabriel Mascaro (PE, 75’m 2012)

Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes e Karim Ainouz (CE/PE/SP, 75’, 2009)

As bicicletas de Nhanderú, de Ariel Ortega e Patrícia Ferreira (RS, 48’,2011)

Câmera escura, de Marcelo Pedroso (PE, 25’, 2012)

 

São inúmeros os documentários brasileiros atravessados pela ausência, pelo luto e pelo fracasso, seja do próprio filme, dos personagens ou do movimento da história. Na contramão da permanente demanda por sucesso e otimização da performance que pauta nossas vidas, o fracasso no documentário poderia também atuar como um exitoso modo de criação.

 

Filmes de referência:

Sábado à noite, de Ivo Lopes Araújo (CE, 62’, 2008)

Moscou, de Eduardo Coutinho (RJ, 78’, 2009)

As cartas psicografas por Chico Xavier, de Cristiana Grumbach (RJ, 87’, 2010)

Diário de uma busca, de Flávia Castro (RJ, 108’, 2011)

Avanti Popolo, de Michael Wahrmann (SP, 72’, 2012)

Oma, de Michael Wahrmann (SP, 22’, 2011)

(Foto principal: Cena extraída do documentário "Jogo de Cena"(2007), de Eduardo Coutinho)