Cosmologias
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Ao produzir um discurso sobre o mundo, uma cosmologia, a ciência moderna cria também uma forma de observá-lo que assume uma divisão básica: somos observadores de um universo que existe independente de nós. Porém, ao mesmo tempo em que isso acontece, a cosmologia científica, além de ainda não ter conseguido construir um modelo fechado para o que procura representar, possui uma característica peculiar que perturba a ordem científica: sujeito e objeto de conhecimento são inseparáveis.
Aquela estrutura de pensamento, própria à grande divisão da filosofia moderna ocidental entre sujeito e objeto, e indissociável da compreensão de que homens produzem Culturas, enquanto a Natureza é única, gera também um modo de viver. De acordo com as evidências das últimas décadas, e cada vez mais atuais, algo presente nessa maneira de viver vêm produzindo não apenas o óbvio esgotamento dos recursos naturais do planeta - gerando uma crise climática sem precedentes -, mas uma ampla crise de nossas vidas, que atinge as muitas dimensões na nossa existência - políticas, estéticas, afetivas.
Ao nos aproximarmos de alguns regimes de pensamento estudados pela antropologia - disciplina que tem por objetivo traduzir em termos que nos sejam compreensíveis diferentes regimes de existência, e que vem nas últimas décadas apontando para aqueles problemas de forma enfática -, descobrimos maneiras radicalmente outras de pensar o cosmos, outras cosmologias.
De que modo esse encontro com a alteridade nos obriga e ajuda a repensar nossos modos de conhecer e agir? Os modos de vida indígenas têm ocupado um papel central nesta discussão, à medida em que a compreensão das filosofias ameríndias revela como, de seu ponto de vista, a própria separação entre homem e natureza, da qual falamos acima, perde sentido. Radicalizando o compromisso de “levar a sério” o pensamento dos sujeitos que estuda, alguns antropólogos vêm defendendo que esses outros discursos sobre o cosmos não podem ser tratados como visões alternativas sobre um mesmo (o nosso) mundo, mas outros mundos em si mesmos.
No sentido de imaginar ainda outros modos de existência possíveis, as diversas práticas artísticas, que também se configuram como diálogos do ser humano com seu ambiente, ocupam um lugar de liberdade que pode nos transportar para um perto-longe de nós mesmos, criando condições de se refletir e viver em meio às questões colocadas por nossas experiências. Entre tantas outras maneiras de compreendê-la, talvez seja possível pensar na arte como aquela que, através de suas diferentes práticas, tenta criar um discurso sobre um mundo que, já que ele mesmo, extrapola as fronteiras da linguagem.
Assim, tomamos aqui a liberdade de usar o termo cosmologias para designar essas múltiplas - existentes ou imaginadas - formas de vida, colocando em diálogo ideias que vêm sendo desenvolvidas dentro da ciência, da antropologia e da arte a partir das práticas que definem cada um desses campos. Tendo em vista a necessidade que se coloca hoje diante de nós, e evidenciando as consequências que diferentes modos de pensar engendram, algumas questões surgidas desse questionamento geral deverão servir de guia para as reflexões e discussões que terão lugar ao longos dos três dias do encontro. Entre elas, estão: de que maneira a ciência moderna construiu a separação entre sujeito e objeto com a qual opera, e como essa divisão que acontece ali é parte fundadora do pensamento moderno?
Como a cosmologia científica, a antropologia e a arte se posicionam diante dessa questão? Sobre que pressupostos a cosmologia científica estrutura o discurso científico sobre a origem do universo? De que maneira ela se diferencia da física enquanto prática científica? Como as variadas práticas de conhecimento indígenas lidam com isso que chamamos natureza? Que outras formas de organização política engendram? Quais as implicações políticas e estéticas dessas cosmologias? Qual o papel do pensamento mítico para essas e outras práticas? Qual o papel da arte no cenário em que vivemos hoje? De que maneira as práticas artísticas podem propor reflexões que lidem com a impossibilidade que temos de criar uma única imagem para o cosmos? Por fim, o que significa resistir - uma maneira mais elegante - para esses diferentes regimes de pensamento?
Acreditamos que, a partir do encontro entre essas diferentes práticas, e que aqui escolhemos apenas algumas, pode ser possível refletir um pouco sobre nossos próprios pressupostos no sentido da busca de um caminho de re-união (coexistência?) entre homem e cosmos.
Programação:
17/9
10h: Conferência: "O que significa existir?"
Com Flora Süssekind e Mario Novello.
Mediação: Bruno Siniscalchi.
14h: Mesa: "Cosmologias e políticas na arte"
Com Gleide Cambria, Jaider Esbell e
Marília Garcia.
17h: Apresentação artística: aula de dança afro-brasileira com Gleide Cambria.
18/9
10h: Conferência: "Cosmopolíticas do bem-viver"
Com Simón Yampara e Tania Stolze Lima.
Mediação: Joana Cabral de Oliveira
14h: Mesa: "Cosmologias e políticas na ciência"
Com Alan Alves Brito, Marco Antonio Valentim e Tatiana Roque.
17h: Apresentação artística: leitura de poemas com Marília Garcia e lançamento de livro de Simón Yampara.
19/9
10h: Conferência: "Como (re) existir?"
Com Daniel Lima e Sônia Guajajara.
Mediação: João Paulo Reys.
14h: Mesa: "Cosmologias e políticas indígenas"
Com Joziléia Daniza Kaingang, Marina Vanzolini e Renato Sztutman.
17h: Encerramento: exibição do curta metragem “Não Vamos Obedecer”, de Daniel Lima e Felipe Teixeira.
As inscrições pela internet podem ser realizadas até um dia antes do início da atividade. Após esse período, caso ainda haja vagas, é possível se inscrever pessoalmente em todas as unidades. Após o início da atividade não é possível realizar inscrição.
Se você necessita de recursos de acessibilidade, como tradução em Libras, audiodescrição, entre outros, solicite por e-mail ou telefone, com até 48 horas de antecedência do início da atividade. centrodepesquisaeformacao@sescsp.org.br / 11 3254-5600
(Curadoria: Maria Borba, Marina Vanzolini e João Paulo Reys. Imagem: Monotipia de Luiz Zerbini em foto de Pat Kilgore)
Palestrantes
Tatiana Roque
Professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seu livro História da matemática foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti de 2013.
(Foto: Acervo Pessoal)
Alan Alves Brito
Pesquisador Nível 1 do CNPq. Bacharel em Física pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS, 2002), Mestre (2004) e Doutor (2008) em Ciências (Astrofísica Estelar) pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), com estágios de pós-doutorado no Chile (2009-2011) e na Austrália (2008-2009; 2011-2014). Desde 2014 é Professor e Pesquisador no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IF-UFRGS), realizando atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão, interessado na Evolução Química de Populações Estelares da Via-Láctea e na Educação e Divulgação da Física e da Astronomia. Coordena o PLOAD, Portuguese Language Office of Astronomy for Development da União Astronômica Internacional. Membro correspondente da Academia de Ciências da Bahia é diretor do Observatório Astronômico da UFRGS e membro da Diretoria da Sociedade Astronômica Brasileira (2018-2020).
(Foto: Acervo Pessoal)
Bruno Siniscalchi
Artista, psicanalista. Trabalha em práticas artísticas, curatoriais e clínicas que investigam relações entre arte, política e psicanálise. Membro do EBEP-Rio, do coletivo Psi Maré e da clínica do Instituto de Estudos da Complexidade (IEC). Cofundador do Instituto Comum, organização dedicada a estabelecer espaço institucional “comum” a diferentes práticas, saberes e epistemologias.
(Foto: Acervo Pessoal)
Flora Sussekind
Professora de teoria do teatro no Centro de Letras e Artes da UNI-Rio e pesquisadora da Casa de Rui Barbosa. Recebeu em 1985 o 27.º Prêmio Jabuti na categoria Autor Revelação por “Tal Brasil, Qual Romance?”.
(Foto: Acervo Pessoal)
Gleide Cambria
Está envolvida com a dança e a cultura afro-brasileira desde sua infância. Nasceu e foi criada em Ilhéus (BA) numa família que representa uma das referências centrais dentro do movimento cultural negro da cidade e de toda a região sul do estado da Bahia. Além de seu trabalho como bailarina e coreógrafa, ministrou oficinas e cursos sobre a música e a dança religiosa do Candomblé em instituições de ensino como UESC, UFRJ, Wesleyan University, Yale, Trinity College, UNIRIO, PUC-Rio, Escola e Faculdade de Dança Angel Viana.
(Foto: Acervo Pessoal)
Jaider Esbell
Nasceu em Normandia, Roraima, do povo Macuxi, é artista multimídia e curador independente. A cosmovisão de seu povo, as narrativas míticas e a vida cotidiana nas Amazônias compõem a poética de seu trabalho que se desdobra em desenhos, pinturas, vídeos, performances e textos. Definindo suas proposições artísticas como artivismo, as pesquisas de Esbell combinam discussões interseccionais entre arte, ancestralidade, espiritualidade, história, memória, política e ecologia.
(Foto: Acervo Pessoal)
Joziléia Daniza Jagso Kaingang
Doutoranda em Antropologia Social - Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Mestra em Antropologia Social - Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2016). Coordenadora pedagógica da Licenciatura Intercultural Indígena - Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (atual). Especialista em Educação de Jovens e Adultos Profissionalizantes - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2012). Graduada em Geografia - Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó (2010). Experiência na área de Antropologia Social, com ênfase em interdisciplinar, nos temas: Mulheres indígenas, arte indígena, saúde sexual, indígenas e universidade.
(Foto: Acervo Pessoal)
Marco Antonio Valentim
Professor Associado do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Paraná. Pesquisador do Species – Núcleo de Antropologia Especulativa (UFPR). Autor de Extramundanidade e sobrenatureza: ensaios de ontologia infundamental (Cultura e Barbárie, 2018).
(Foto: Acervo Pessoal)
Maria Borba
Artista e pesquisadora. Doutora em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio, mestre em Cosmologia e Gravitação pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (ICRA/CBPF), trabalha na relação entre o pensamento científico e outras práticas do conhecimento.
(Foto: Acervo Pessoal)
Simón Yampara Huarachi
Aymara, comunario, académico e investigador docente universitario. Nació en el Ayllu Jach’a Chambi Municipio Papelpampa, prov. G. Villarroel del departamento de La Paz-Bolivia. Combina su trabajo: comunario agricultor, parte de las familias de la Saya Saraqa Jach’a Yampara del Ayllu Jach’a Chambi y docente universitario de la Universidad Pública de El Alto UPEA, la UMSA y programas de pos grado en diferentes universidades, la relación espacio urbano y rural sobre todo la vivencia del ayllu le motiva la permanente investigación de procesos y dinámicas de sistemas de vida, paradigmas de vida de los ayllus andinos y la convivencia con el pluriverso de mundos bióticos. Estudios, sociólogo de formación, varios diplomados y especialización, maestría en educación superior y proyectos, doctorado en Ciencia, Tecnología Humanidades mención Perspectivas Epistemológicas y Construcción de Conocimientos en la UPEA en convenio con las universidades de Chapingo de México y Bremen de Alemania.
(Foto: Acervo Pessoal)
Sônia Guajajara
É do povo Guajajara/Tentehar, que habita nas matas da Terra Indígena Arariboia, no estado do Maranhão, Brasil. Filha de pais analfabetos, deixou suas origens pela primeira vez aos 15 anos, quando recebeu ajuda da Funai para cursar o ensino médio em Minas Gerais. Depois, voltou para o Maranhão, onde se formou em Letras e Enfermagem e fez pós-graduação em Educação Especial. Sua militância indígena e ambiental começou ainda na juventude, nos movimentos de base, e logo chegou ao Congresso Nacional – onde Sônia Guajajara foi linha de frente contra uma série de projetos que retiravam direitos e ameaçavam os povos indígenas e o meio ambiente. Em poucos anos, ela ganhou projeção internacional pela luta travada em nome dos direitos dos povos originários. Em 2010, ela entregou o prêmio Motosserra de Ouro para Kátia Abreu, à época ministra da Agricultura, em protesto contra as alterações do Código Florestal. Tem voz no Conselho de Direitos Humanos da ONU e já levou denúncias às Conferências Mundiais do Clima (COP) de 2009 à 2017, além do Parlamento Europeu, entre outros órgãos e instâncias internacionais. Sônia Guajajara já recebeu vários prêmios e honrarias, como o Prêmio Ordem do Mérito Cultural 2015 do Ministério da Cultura, entregue pela então presidenta Dilma Rousseff. Também foi agraciada com a Medalha 18 de Janeiro pelo Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Padre Josimo, em 2015, e com a Medalha Honra ao Mérito do Governo do Estado do Maranhão, pela grande articulação com os órgãos governamentais no período das queimadas na Terra Indígena Arariboia.
(Foto: Acervo Pessoal)
Tânia Stolze Lima
Antropóloga e professora aposentada da Universidade Federal Fluminense. Sua área de pesquisa é a Amazônia indígena. Seu principal trabalho é o livro Um Peixe olhou para mim: o povo Yudjá e a perspectiva. Realiza pesquisa junto ao povo Yudjá desde 1984.
(Foto: Acervo Pessoal)
Daniel Lima
Artista, curador, editor e pesquisador. Bacharel em Artes Plásticas, Mestre em Psicologia e doutorando em Meios e Processos Audiovisuais pela Universidade de São Paulo. Desde 2001 cria investigações-ações em pesquisas relacionadas a mi?dia, questo?es raciais, resistências coletivas, presente colonial e análises geopolíticas. Membro fundador de diversos coletivos entre eles, a Frente 3 de Fevereiro com trabalhos desenvolvidos em várias cidades do mundo. Recebeu em sua carreira mais de 15 prêmios nas áreas de Artes Visuais, Cinema e Estudos Sociais, tendo participado de diversas exposições, festivais internacionais e seminários. Dirige a produtora e editora Invisíveis Produções.
(Foto: Acervo Pessoal)
João Paulo Reys
Formado em Audiovisual pela Universidade de Brasília e atua em diferentes campos da produção cultural. Organizou dois livros, publicados pela Rocco e pela Companhia das Letras, e trabalhou como roteirista ou montador em diversos projetos audiovisuais para canais como HBO, Al Jazeera, Arte 1 e TV Brasil. Em 2018, finalizou seu primeiro longa-metragem como diretor, o documentário "Mandado".
(Foto: Acervo Pessoal)
Marina Vanzolini
Professora de Antropologia Social na Universidade de São Paulo. Pesquisa teoria antropológica e etnologia indígena, com enfoque em parentesco, feitiçaria, política e mitologia. Experiência de campo no Alto Xingu, onde trabalha com os Aweti (tupi) desde 2004. Pesquisadora do Laboratório de Antropologia Simétrica (CNPq) desde 2005, e do Centro de Estudos Ameríndios (USP) desde 2013. É autora de A flecha do ciúme: o parentesco e seu avesso segundo os Aweti do Alto Xingu (Terceiro Nome/Fapesp, 2015).
(Foto: Acervo Pessoal)
Mario Novello
Pesquisador e cosmólogo. Doutor em física pelo Instituto de Física Teórica da Universidade de Genebra. É pesquisador do Centro Brasileira de Pesquisas Físicas (CBPF).
(Foto: Acervo Pessoal)
Data
17/09/2019 a 19/09/2019
Dias e Horários
Terça a Quinta, 10h às 17h.
As inscrições podem ser feitas a partir de 27 de agosto, às 14h, aqui no site do Centro de Pesquisa e Formação ou nas Unidades do Sesc em São Paulo.