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História da invenção do Brasil e dos brasileiros (1789-1857)

Diversos 22: A Independência e as identidades

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Programa

Em 2022, a Independência do Brasil completa dois séculos, marco que abre um rico campo de reflexões sobre nossa formação nacional. Afinal, a nação brasileira é fruto das lutas da Independência. Lutas muitas vezes sangrentas, nas quais foram contestadas hierarquias, privilégios e desigualdades. Lutas que que não cabem na narrativa de ruptura pacífica e não-traumática, centrada na família real portuguesa.
O curso será dividido em seis sessões, tendo como eixo de análise o surgimento do Brasil como uma nacionalidade na época da Independência.

Aula 1 - “Brasil”: de mercadoria a nome de país (séculos XV a XVIII)
Três séculos de colonização europeia da América produziram múltiplas formas de identidade política. A identidade monárquica portuguesa, dominante nesta parte da América genereicamente chamada de “Brasil”, foi partilhada por diferentes setores livres da sociedade, em especial pelas elites coloniais.

Por sua vez, entre os povos indígenas e afrodiaspóricos, identidades étnicas, linguísticas e religiosas produziam e reproduziam tradições políticas diversas daquelas emanadas da Europa.

Com o passar dos séculos, as elites coloniais buscaram diferenciar-se tanto de Portugal quanto dos povos colonizados e escravizados, expressando sua identificação com seu espaço de poder e de reprodução de sua riqueza: afirmaram-se pernambucanos, paulistas, baienses, etc. Porém, apesar de a palavra “Brasil” ser usada para se referir a um imenso território sob colonização portuguesa, a identidade “brasileira” só passou a ter sentido político amplamente difundido após o estabelecimento da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808.

Aula 2 - Idéias e identidades nas primeiras tentativas de Independência (Minas Gerais, 1789; Bahia, 1798)
As primeiras tentativas de ruptura política entre os colonos da América e a monarquia portuguesa ocorreram no final do século XVIII, sendo as mais expressivas aquelas de Minas Gerais (1789) e da Bahia (1798).

Inspirados pela experiência histórica da Revolução Americana e pelas ideias liberais e iluministas, os rebeldes da Inconfidência Mineira pretendiam fundar uma república de senhores brancos. Assim como ocorrera na revolta das Treze Colônias inglesas, membros da mais alta elite colonial tentaram utilizar uma rebelião antifiscal para formar seu próprio Estado independente, que permaneceria escravista e controlado por uma elite exclusivista.

Já a Revolta dos Búzios (também conhecida como Sedição Baiana, Revolta dos Alfaiates, entre outras denominações) foi inspirada por ideias e experiências muito mais radicais, relacionadas às revoluções francesa e haitiana. Neste caso, não se tratava apenas de membros da elite colonial pretendendo uma ruptura política com Portugal, mas de setores diversos da população planejando uma revolução social anti-aristocrática, anti-escravista e antirracista.

As identidades políticas de “filhos das Minas” e de “baienses” rebelados no final do século XVIII têm em comum o fato de que não se tratava de uma busca por fundar o “Brasil”, palavra que mantinha ainda o seu sentido genérico.

Aula 3 - Ideias e identidades nas revoluções pernambucanas (1817-1824)
A primeira tentativa de independência que conseguiu vencer temporariamente a monarquia portuguesa eclodiu em Pernambuco em 1817. Trata-se do início de uma experiência revolucionária que se desdobrou em diversos movimentos de contestação da ordem numa ampla região do Nordeste brasileiro.

Nesses movimentos, as identidades políticas dos “patriotas pernambucanos” foram alimentadas não apenas pelas experiências dos Estados Unidos e da França, mas também pelos exemplos do Haiti e da América Espanhola. Além disso, a sociedade pernambucana tinha como importante característica o predomínio demográfico de pessoas negras livres e libertas, muito mais numerosas que em outras regiões do país, o que propiciou uma base social para projetos “haitianistas” ao longo da primeira metade do século XIX.
O estudo das trajetórias de lideranças negras das revoluções pernambucanas, como Pedro da Silva Pedroso, Agostinho Bezerra Cavalcanti e Emiliano Mundrucu, permite conhecer melhor os horizontes históricos anticoloniais e antirracistas no contexto da Independência do Brasil.

Aula 4 - As Guerras de Independência e as identidades (1821-1824)
A Independência do Brasil foi decidida entre os anos de 1821 e 1823 em uma série de enfrentamentos políticos, diplomáticos e militares opondo diferentes centros de poder que pretendiam estender sua soberania sobre o então Reino do Brasil.
Lisboa, revolucionada pelo constitucionalismo vintista, convocou os “povos” do Brasil a romperem com o absolutismo de d. João VI. Por sua vez, o Rio de Janeiro, liderado pelo príncipe d. Pedro, buscou manter seu domínio sobre a porção americana dos territórios portugueses, articulando em torno de si boa parte da elite colonial, em especial a sudestina.

Entre um e outro polo, experiências de luta em escala local e regional engajaram amplos setores da população em enfrentamentos armados, em nome da “nação”, fosse ela a antiga nação portuguesa ou a nova nação brasileira.
Em províncias como o Grão-Pará, o Maranhão, o Piauí, a Bahia e a Cisplatina (atual Uruguai), a Independência do Brasil foi uma guerra civil que colocou em jogo não apenas a união ou separação entre Brasil e Portugal, mas também as hierarquias e desigualdades entre “brancos”, “pardos”, “pretos” e “índios”, entre “livres”, “libertos” e “escravos”, entre “nobres” e “plebeus”.

O Estado nacional brasileiro foi oficialmente fundado em outubro de 1822, com a aclamação de Pedro I, e seus primeiros símbolos nacionais datam da mesma época. A primeira constituição foi discutida em 1823 e implementada no ano seguinte, após um golpe de estado liderado pelo imperador. Assim, a conjuntura 1821-1824 é a mais decisiva para o surgimento de uma identidade nacional brasileira que, com sucessivas transformações, é dominante nesta parte do mundo até os dias de hoje.

Aula 5 - Identidades e cidadania nas revoltas do Império (1824-1850)
A fundação do Império do Brasil, em 1822, a Constituição do Império, em 1824, e o reconhecimento da Independência por Portugal, em 1825, não fecham o ciclo de contestação liberal e iluminista que marca a formação do Brasil como nacionalidade. Este ciclo tinha sido aberto com as revoluções de 1817 (republicana, iniciada em Recife) e de 1820 (monárquica constitucional, iniciada no Porto). Após a fundação do Brasil, demorou mais de duas décadas para que pessoas parassem de proclamar a ruptura com o Brasil em nome de esboços diversos de identidade nacional.

Pernambucanos proclamaram suas independências em 1817, 1824 e 1848. Baianos tentaram o mesmo caminho em 1798, 1824 e 1837. Riograndenses, entre 1835 e 1845. Paraenses, entre 1835 e 1840. Uruguaios (neste caso, com sucesso), entre 1825 e 1828. Muito diversos entre si, esses movimentos mobilizaram ideários revolucionários inspirados em lutas ocorridas tanto na própria região (a partir da qual deram sustentação a projetos nacionais em potencial), quanto de outras partes da América (Estados Unidos, Haiti, América Espanhola) e da Europa (em especial, a Revolução Francesa e a Revolução do Porto).

Para além da profunda instabilidade que caracterizou a época de afirmação de uma identidade nacional brasileira, esses movimentos atestam também os sentidos diversos de “ser brasileiro” nas diferentes partes do país e para seus diferentes segmentos sociais e étnico-culturais. Por exemplo, na Balaiada, ocorrida no Maranhão e Piauí entre 1838 e 1840, a afirmação da cidadania brasileira por “caboclos” do sertão convive com a fundação de uma monarquia quilombola sob o comando de um “imperador dos pretos do Brasil”, que chega a decretar a abolição da escravidão nas fazendas maranhenses.

Aula 6 - A nacionalidade que os herdeiros dos colonizadores elegeram, de Karl  Friedrich  Philipp  von Martius (1845) a Francisco Adolfo de Varnhagen (1857)
Após a fundação do Império do Brasil foi preciso inventar uma história nacional para o novo país. Uma história que diferenciasse a nova nação das formas de identidade política que a precederam, em especial a identidade portuguesa.

A ruptura da elite brasileira com relação à identidade portuguesa não foi tão simples quanto se afirma em narrativas baseadas na ideia de “acordo entre as elites” ou mesmo de “ruptura pacífica”. Como demonstrado no estudo das revoluções pernambucanas (Aula 3), das guerras de independência (Aula 4) e das revoltas da primeira metade do século XIX (Aula 5), a identidade nacional brasileira não foi construída apenas pela pena de letrados e pelas decisões de políticos, mas também pelas armas de soldados, milicianos, voluntários, marinheiros e mercenários.

O período entre 1817 e 1850 marca um ciclo revolucionário brasileiro que contestou hierarquias e desigualdades estruturantes do país, fosse para afirmar novas nações em potencial (republicanas, anti-aristocráticas, em alguns casos antirracistas), fosse para reivindicar uma nação brasileira diversa daquela construída por senhores, mercadores e burocratas em torno de uma família real europeia enraizada no Sudeste.
Tradições de lutas como essas abalavam o Império escravista e colonialista desejado pelos herdeiros dos senhores portugueses. Para vencê-las, foi inventada uma história nacional que colocava em seus lugares as populações negras e indígenas, bem como as resistências de pernambucanos, baianos, riograndenses, etc. em adotarem o Brasil como único horizonte nacional possível.

Pais fundadores do nacionalismo historiográfico brasileiro, o naturalista alemão Friedrich Philipp  von Martius e o diplomata e historiador paulista Francisco Adolfo de Varnhagen criaram, cada qual a seu modo, as narrativas legitimadoras de uma nacionalidade que optava pela escravidão, pelo domínio dos brancos, pela centralização do poder e pela economia exportadora de matérias primas. Nascia assim a nacionalidade brasileira, tantas vezes recriada, mas dominante até nossos dias.

Recomendamos o uso de máscara cobrindo nariz e boca.

Se você necessita de recursos de acessibilidade, como tradução em Libras, solicite pelo e-mail centrodepesquisa.cpf@sescsp.org.br, após a conclusão e efetivação do pagamento da sua inscrição, com até 48 horas de antecedência do início da atividade.

As inscrições podem ser feitas a partir das 14h do dia 26/5 no site do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc ou presencialmente em qualquer unidade do Sesc São Paulo. Após o início da atividade não é possível realizar inscrição. O cadastro é pessoal e intransferível.

O pagamento pode ser feito através do cartão de crédito, débito ou em dinheiro. Trabalhamos com as bandeiras Visa, Mastercard, Elo e Hipercard.

** Ao término do curso, você poderá solicitar sua declaração de participação pelo e-mail declaracao.cpf@sescsp.org.br

*** Havendo ainda disponibilidade de vagas para os cursos presenciais, as inscrições poderão ser feitas no dia do curso no Centro de Pesquisa e Formação.

O cancelamento poderá ser realizado com até 48 horas antes do início da atividade, por email: centrodepesquisa.cpf@sescsp.org.br

(Arte: Divulgação)

 

Palestrantes

André Nicácio

André Nicácio

Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Especialista em História do Brasil - períodos colonial e imperial. Atua nas áreas de educação e cultura, principalmente na redação de materiais didáticos e paradidático.
(Foto: Acervo Pessoal)

Bibliografia

ANDERSON, Benedict Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.


DANTAS, Monica Duarte, (org.) Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. Alameda, 2011.


HISTÓRIA DA DISPUTA: DISPUTA DA HISTÓRIA, pseud. Calendário Insurrecional 2022: as independências que os senhores tentaram sufocar. 2ª tiragem. São Paulo: HDistro, 2022.


JANCSÓ, István (org.). Independência: História e Historiografia. Editora: Hucitec. São Paulo, 2005.


JANCSÓ, István "A Sedução da Liberdade - cotidiano e contestação política no final do século XVIII". In: Laura de Mello e Souza; Fernando Novais (org.). Cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, v. 1, p. 387-437.


KRAAY, Hendrik. Em outra coisa não falavam os pardos, cabras e crioulos: o “recrutamento” de escravos na guerra da Independência na Bahia. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.22, n.43, 2002.


LIMA, André Nicacio. “Rusga: motivações e ideários do massacre de portugueses ocorrido em Cuiabá em 30 de maio de 1834” in DANTAS, Monica Duarte (org.). Da corte ao confronto: capítulos de história do Brasil oitocentista. Belo Horizonte: Fino Traço, 2020.


MACHADO, André Roberto de A. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do antigo regime português na província do Grão-Pará (1821-1825). São Paulo: Hucitec / Fapesp, 2010.


MOREL, Marco. . A Revolução do Haiti e o Brasil escravista: o que não deve ser dito. Jundiaí: Paco, 2017.


REIS, João José. “O jogo duro do Dois de Julho: o ‘partido negro’ na Independência da Bahia”. In: SILVA, Eduardo e REIS, J. J. Negociação e conflito: resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Cia das Letras, 1989, p.79-98.


REIS, João José; KRAAY, Hendrik. “The Tyrant Is Dead!” The Revolt of the Periquitos in Bahia. Hispanic American Historical Review. Duke University, v.89, n.3, 2009.


SILVA, Luiz Geraldo. “Negros de Cartagena e Pernambuco na era das revoluções atlânticas: trajetórias e estruturas (1750-1840)”. Anu. colomb. hist. soc. cult. [online]. 2013, vol.40, n.2, pp.211-240.


SOUZA, Laura de Mello e. “O nome do Brasil”. Revista de História, São Paulo, n. 145, p. 61-86, 2001.

Data

08/06/2022 a 13/07/2022

Dias e Horários

Quartas, 19h às 21h30.

Curso Presencial

Inscrições a partir das 14h do dia 26/5, até o dia 8/6.
Enquanto houver vagas.

Local

Rua Dr. Plínio Barreto, 285 - 4º andar
Bela Vista - São Paulo.

Valores

Grátis