Imaginário religioso e arte literária

O ciclo trata de possíveis relações entre Literatura e Religião por meio de diferentes abordagens teóricas, analisando a produção de textos literários e religiosos a partir de uma perspectiva poética.

 

 

A máxima “Tu amarás teu mais distante como a ti mesmo”, do filósofo francês Abdennour Bidar, é uma proposta ética para uma época secularizada, marcada por desencanto, violência, ameaça de escassez dos recursos naturais, hiper produção e consumo. Por “distante”, entenda-se a humanidade em seu porvir, mas também a natureza indeterminada do ser humano e o que há de estrangeiro/estranho em cada um de nós. Haveria uma arte literária do passado e do presente capaz de acolher o que há de mais sagrado na humanidade ou de hospedar esse eterno estrangeiro? Aos ouvintes desta palestra, serão apresentados os vínculos e as tensões entre humanismo e sagrado em poetas como Camões, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade.

 

 

“Exercício espiritual”: o uso recente dessa expressão para descrever um aspecto central da filosofia antiga deriva dos escritos do erudito francês Pierre Hadot (1922-2010).  Designaria toda prática destinada a transformar, em si ou em outros, a maneira de viver e ver as coisas. O discurso seria um polo complementar a tal “modo de vida”, ambos se apresentando como vertentes indissociáveis do ato de filosofar. Embora pouco presentes na perspectiva acadêmica, gêneros literários associados a “exercícios espirituais” geraram interessantes resultados na história ocidental. Abordaremos, ao lado de um exemplo clássico (os Pensamentos de Marco Aurélio), os Ensaios de Montaigne e a obra de Cioran. 

 

Biografia sagrada (Sacred Biography), expressão cunhada pelo medievalista Thomas Heffernan, refere-se a textos que expõem a vida de santos, sejam eles narrativos ou não. Enquanto o termo “biografia” remete-nos ao caráter literário desse gênero, o vocábulo “sagrado” indica seu lado espiritual. Quais teriam sido as técnicas literárias empregadas na construção desse tipo de texto que fora uma espécie de best-seller na Idade Média? Esta palestra objetiva responder a essa questão partindo da análise de excertos de algumas Vidas, principalmente da tradição cristã-medieval.

 

Abraham Joshua Heschel, importante filósofo judeu contemporâneo, se voltou para a literatura rabínica tradicional no livro Torá Min Ha-Shamaim Be-Aspaklaria Shel Ha-Dorot. Dessa leitura da literatura rabínica emerge uma visão dialética das correntes de pensamento que animaram os debates dos sábios sobre questões como o elemento humano e o divino na revelação, a relação entre observância religiosa e o espírito por trás da observância, a noção de milagre versus a ideia de uma natureza autônoma e muitos outros temas do debate judaico através dos séculos. Heschel identifica na escola de rabi Akiva, de tendência mística, e na escola de rabi Ishmael, de tendência racionalista, dois grandes paradigmas que tencionaram dialeticamente o pensamento rabínico desde o final da Antiguidade, durante a Idade Média a na Modernidade. A leitura dialética das fontes da literatura judaica redimensiona a relação entre razão e misticismo nessa experiência religiosa.


(Foto: Recreació Scriptorium I Biblioteca del Monestir)

 
As inscrições pela internet podem ser realizadas até um dia antes do inicio da atividade. Após esse período, caso ainda haja vagas, é possível se inscrever pessoalmente em todas as unidades. Após o início da atividade não é possível realizar inscrição.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 17.ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. 

AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2011.

BIDAR, Abdennour.  Histoire de l’humanisme en Occident. Paris: Armand Colin, 2014.

CAMÕES, Luiz Vaz de. Lírica Completa. 2. ed. Rio de Janeiro: Casa da Moeda, 1986. (Poema “ Sôbolos rios que vão...”).

CIORAN. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro, Rocco, 2011.

GILMAN, Neil. Fragmentos Sagrados: recuperando a teologia para o judeu moderno, Shalom, S. Paulo, 2007.

HEFFERNAN, Thomas J. Sacred biography: saints and their biographers in the Middle Age. New York: Oxford University Press, 1988.

LEONE, Alexandre G. Mística e Razão: Dialética no Pensamento Judaico – De Speculis Heschel: São Paulo, Perpectiva, Coleção Estudos 289, 2011.

PESSOA, Fernando. Poesia completa de Ricardo Reis. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. (Poema “Os jogadores de xadrez”).

HADOT, Pierre. “Exercícios espirituais”, in Exercícios espirituais e filosofia antiga, São Paulo, É Realizações, 2014.

SELTZER, Robert M. Povo Judeu, Pensamento Judaico. Rio de Janeiro: A. Koogan Editor, 1989. (Coleção Judaica, t. II).

VAZ, Henrique C. de Lima. Humanismo hoje: tradição e missão. In: PAVIANI, Jayme et al. (org.). Humanismo latino no Brasil de hoje. Belo Horizonte: PUC Minas, 2001, p. 29-44.

WEBB, Eugene. A pomba escura: o sagrado e o secular na literatura moderna. Trad. Hugo Langone. São Paulo: É Realizações, 2012.