A literatura indígena é considerada por alguns estudiosos um ”fenômeno” novo, conforme os meios que regem o sistema literário tal como conhecemos. Essa novidade é porque a literatura dita “indígena” é muito mais abrangente e significativa. Para os povos indígenas, ela é mais que textos escritos no papel. Nesse sentido, esta literatura existe desde o principio dos tempos, permeando as diversas faces e linguagens da milenar cultura indígena. A literatura encerra um discurso que permite a leitura do universo, do mundo e do outro. A literatura indígena fala, pois, do que dá origem e sentido ao ser e ao existir.
Além disso, a literatura indígena é parte das vozes ancestrais. O grafismo, os ritos, o canto e a dança, este multiforme discurso é parte indissolúvel na materialização da literatura indígena, que encontrou novos meios de se propagar no mundo atual, representado por integrantes dos povos indígenas em forma e livros.
O caminho percorrido por esta literatura, dentro e fora das aldeias, para o indígena e não indígena tem causado discussões e ressonâncias por diversos interlocutores em diversas áreas e, em especial, na educação. Será neste sentido que o ciclo “Literatura Indígena: Vozes da Ancestralidade” apresentará uma visão panorâmica da história e dos desdobramentos que os livros de autores indígenas têm alcançado e contribuído no fortalecimento das culturas indígenas e brasileira.
Com mediação de Cristino Wapichana. Músico, compositor, cineasta, contador de histórias e escritor premiado. Produtor do Encontro de Escritores e Artistas Indígenas. Vencedor do 4° concurso Tamoio de literatura pela FNLIJ – Fundação Nacional do Livro Infantil e juvenil 2007.
16/11 - Vozes da Ancestralidade
A literatura indígena colabora para a formação do povo brasileiro desde a fundação da própria nação. No século XVI as histórias tradicionais foram colhidas pelo padre Anchieta, e depois modificadas e devolvidas com o objetivo da catequese. Nos séculos seguintes os seres encantados saídos das bocas dos povos passaram a conviver com a sociedade cosmopolita que se formava. Na época do Império, as histórias foram usadas para o ensino da língua tupy aos soldados militares. Depois estas histórias passaram a ser de domínio público e foram recontadas por diversos autores, até chegar na República modernista de Mário e Oswald de Andrade.
Não foram somente os territórios físicos que foram invadidos, foram também os territórios míticos, simbólicos, filosóficos, artísticos. Os territórios dos ideários e do imaginário ancestral. Assim como os transgênicos modificam a constituição do solo muitos autores promoveram uma transgenia na riqueza ancestral da literatura oral e vivencial dos povos. E nesse momento é que os novos guerreiros das tribos usam a caneta e o papel, substituindo o arco e a flecha, para retomar suas histórias pessoais e coletivas.
Com Kaká Verá e Eliane Potiguara.
17/11 - Transição da Oralidade para Escrita
A longa e reconhecida tradição das narrativas indígenas apoiada na oralidade, cultivada por diversos povos no continente americano é fio condutor das memórias que temos. Memórias que atravessaram os tempo de beleza e encantamento de culturas dos povos das florestas, das águas e dos altiplanos e desertos, evocando nestas paisagens diversas a origem destas culturas ancestrais. Tomados pelos invasores que aqui aportaram nos últimos séculos como povos sem escrita e por isso mesmo sem história, estes povos de tradição oral , revelam nestas últimas três décadas sua vitalidade e força narrativa com a apropriação deste recurso da escrita. Desvelando novos mundos, outras cosmovisões que esta “ferramenta da escrita” potencializa e projeta para além das fronteiras alcançadas pela emissão dos antigos Moronguetá e Pora-hei, que conduziram como verdadeiros guardiões estas Memórias do Fogo, no dizer do grande escritor Eduardo Galeano, que soube reconhecer na tradição oral a alma mesma dos povos ameríndios.
Com Ailton Krenak e Aurilene Tabajara.
18/11 - A Imagem e a Escrita
Nessa mesa Ciça Fittipaldi aborda os modos de trabalho com a Série Morená, composta nos anos 80, relacionando a escrita dos textos e a produção de imagens. Algumas experiências com o trabalho com Educação Escolar Indígena e sua ressonância na sua produção e sua visão do que é e de como acontece o trabalho com imagens narrativas.
Denilson Baniwa discute o grafismo indígena como símbolo de reconhecimento e entendimento de identidade. Um olhar a partir da pesquisa sobre os grafismos e uma nova perspectiva de adaptação aos mais diversos suportes de comunicação. Do design a ilustrações de comunicação gráfica dos Baniwa, Wayapi e Tukano na construção de uma identidade de ensino e pertencimento.
Com Denilson Baniwa e Ciça Fittipaldi.
19/11 – Literatura Indígena no meio acadêmico.
A educação escolar indígena diferenciada é uma demanda dos povos indígenas que foi incorporada na constituição brasileira de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei 9394/96) e numa ampla legislação específica. É um modelo de educação que se insurge contra a educação escolar colonizadora e opressora.
A discussão percorrerá o movimento que transformou a educação colonizadora em educação emancipadora. Serão discutidos os objetivos e fundamentos da educação escolar indígena diferenciada, seus princípios fundamentais: o bilinguismo, a interculturalidade, as suas especificidades e seu formato comunitário. As discussões culminarão na apresentação das ações pedagógicas de formação dos professores indígenas em cursos diferenciados, focando no caso da Licenciatura Intercultural Indígena voltada para a formação de professores Pataxó, Pataxó Hã Hã Hae e Tupinambá, no sul da Bahia.
Buscar-se-á demonstrar como os povos indígenas estão protagonizando a educação escolar que valorize suas tradições, rituais, línguas e modos de organização políticas.
Com Edson Kayapó. Filho de pai Kayapó e mãe Marajoara. Escritor, professor e contador de histórias. Busca sabedoria nos sons da natureza e nos ensinamentos dos pajés, curandeiras e dos velhos guardiões das tradições milenares. Atua na formação de professores Pataxó, Pataxó Hã Hã Hae e Tupinambá.
Com Edson Krenak.
23/11 – A história da literatura Indígena e seus desdobramentos na Educação.
A Literatura indígena é formada por saberes ancestrais que tem colaborado para projeção das tradições indígenas em dois sentidos: a) como meio de educar a sociedade nacional (não-indígena) sobre as histórias, memórias, hábitos e costumes dos nossos povos, no presente e no passado; b) como elemento de valorização, fortalecimento e revitalização da cultura indígena nos meios indígenas, particularmente nas escolas das aldeias. Portanto, a literatura indígena tem um caráter educativo, espiritual e filosófico, podendo auxiliar no reencantamento das relações socioambientais, planetária e na construção de valores para convivência respeitosa diante da multietinicidade da sociedade brasileira.
Com Daniel Munduruku e Darlene Taukane.
24/11 - Uma poética da Literatura Indígena:
A literatura indígena tem sua dialética, voz e cor. Esta escrita já traz poética milenar que indica uma autoria, que é individual e coletiva. Traz consigo as marcas de uma ancestralidade em que a natureza fala pelo som do vento ou pelo reluzir da lua cheia, os seres (materiais e espirituais) se comunicam e a vida se harmoniza como as cores do arco-íris. A poética da literatura indígena vai além das entrelinhas, ela traz a cultura de um povo, de uma diversidade de povos, de cosmologias e jeitos de ser. Por isso tudo, não se restringe à escrita e ao individual: ela é movimento, vida, cor, danças, cantos, sons e uma infinitude de ações culturais em ebulição.
Com Cristino Wapichana e Tiago Hakiy. Mediação de Daniel Munduruku.