Curso On-Line
Mito e processo criador em Jung, Nise da Silveira e Antunes Filho

Uma das descobertas mais paradoxais e fundamentais de artistas e pensadores em pleno século XX -portanto na época que deveria ser o auge da modernidade ocidental - foi o peso da nossa ancestralidade mais arcaica, no que tem de pior e de melhor, de mais luminosa e sombria. A repetição de desgraças como a peste, a guerra e a ameaça autoritária, em nosso próprio tempo, vem atestar essa circularidade da História; mas o mito do eterno retorno, como forma de protesto contra o inferno histórico, é também uma profunda experiência humana, na qual o homem arcaico (inclusive aquele que habita os modernos) volta sempre de novo a se abrir para à visitação do sagrado, graças à força enigmática dos símbolos vivos.

 

O curso pretende mostrar como certa poética do mito, ou método mítico, de caráter menos irônico, como em Joyce, do que sagrado, marca a jornada de um dos maiores pensadores do nosso tempo, Carl Gustav Jung (1875-1961). E como o mito, enquanto vivência "dionisíaca" e conceito teórico "apolíneo" em Jung, alimentaria o fogo criador também de dois gênios da cultura brasileira em seus respectivos campos de atuação:  a médica e arteterapeuta Nise da Silveira (1905-1999) e o diretor teatral Antunes Filho (1929-2019).

 

"Príncipe herdeiro" e depois principal rival de Sigmund Freud, Carl Jung foi um dos pioneiros da psicanálise. Viria, porém, a reformular temas freudianos essenciais como o inconsciente, o sonho, a libido, o tabu do incesto. Veremos como a redescoberta dos potenciais criativos e curativos do mito foi decisiva para Jung, tanto pessoalmente -em alguns de seus momentos de crise existencial aguda-, quanto para suas formulações teóricas sobre o processo criativo da psique, especialmente no âmbito da arte.

Migrando da Europa ao Brasil, ou renascendo espontaneamente em nosso próprio solo cultural e anímico, a jornada mítica vivida e ensinada por Jung teria grande influência na revolução que a alagoana Nise da Silveira implementou no tratamento de seus pacientes psiquiátricos, no Rio de Janeiro. Também exerceram forte impacto em outra revolução, a que o paulistano Antunes Filho levou aos palcos mundo afora -muito especialmente, aliás, no palco do Sesc Consolação, em São Paulo, sede também de seu Centro de Pesquisa Teatral (CPT).

 

Inspirada pelos ensinamentos de Jung, a quem viria a conhecer pessoalmente, Nise se valeu de recursos como a pintura e a escultura como formas de resgatar a dignidade de homens e mulheres que a psiquiatria tradicional relegava à condição de objeto de frios rótulos psicopatológicos ou de tratamentos violentos à base de encarceramento, lobotomia e eletrochoque.  Pessoas amordaçadas pelo flagelo psíquico-e pela repressão social - encontraram, com as inovações de Nise, formas de se comunicar com sua própria interioridade e com o mundo mediante imagens significativas e a "emoção de lidar" com matérias-primas, animais e pessoas; passaram a acessar um manancial de energias de autocuidado repletas de analogias com antigos símbolos míticos.

 

Já no caso de Antunes Filho, a inspiração junguiana se refletiu tanto na mise-en-scène de montagens antológicas, vide Nelson Rodrigues, O Eterno Retorno (1981), quanto no método de formação do ator e, de modo mais amplo, na própria forma de pensar a essência do teatro como "hierofania", ou manifestação do sagrado.

 

A releitura por Antunes da obra de Nelson Rodrigues nos permitirá um interessante paralelo com a releitura por Nise da Silveira da esquizofrenia: realidades sociais e psíquicas atormentadas, comumente julgadas como sendo nada mais do que delírio, violência, absurdo ou obscenidade, são, num caso e noutro, miticamente transfiguradas e reveladas do que têm a dizer sobre a grandeza trágica do ser humano, sobre sua miséria e anseio de transcendência e de criação do que Jung chamaria de o "suprassentido" -espécie de iluminação interior para além dos sentidos e absurdos do caos cotidiano.

 

PROGRAMA:

 

AULA 1 (19/4) - A POÉTICA DO MITO COMO CHAVE DE DIÁLOGO COM A VIDA E O LEGADO DE CARL GUSTAV JUNG

 

AULA 2  (26/4) - O "SUPRASSENTIDO" E A ARTE VISIONÁRIA SEGUNDO JUNG

 

AULA 3 - (3/5) - MITO E PSICOSE NA ARTETERAPIA DE NISE DA SILVEIRA

 

AULA 4 - (10/5) - RELEITURA MÍTICA DE NELSON RODRIGUES E INDIVIDUAÇÃO NO TEATRO DE ANTUNES FILHO