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Alberto Dines
O jornalismo como recorte histórico

Alberto Dines

Ao adentrar a sala de sofás escuros do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, os ruídos dos presentes são silenciados. Alberto Dines tem 83 anos, dos quais quase sessenta são dedicados ao jornalismo. O senhor de chamativos olhos azuis, cabelos grisalhos e ralos no alto da cabeça e passos lentos, tem uma voz calma e uma dicção invejável. A figura corpulenta senta-se frente ao público para contar um pouco sobre sua carreira e sobre a criação do Observatório da Imprensa, primeiro veículo brasileiro dedicado à análise crítica da imprensa.

Como na maioria dos encontros desse tipo, Dines começa falando sobre o início de sua carreira. Ao ser questionado sobre como decidiu ingressar no jornalismo, responde “Eu não decidi... decidiram por mim!”.

O jovem fascinado por cinema foi, em 1952, convidado a escrever críticas para a revista carioca A Cena Muda. Ficou lá pouco tempo, até ingressar na revista Visão, dessa vez já como jornalista cultural, onde permaneceu por cinco anos. Assim, já era profissional mesmo sem ter passado por uma experiência acadêmica (Dines não tem diploma universitário).

Entre o final da década de 1950 e os anos 60, Dines passou pelas revistas Manchete e Fatos e Fotos, nesta última foi editor-chefe. Passou também pelos jornais Última Hora e Diário da Noite, neste último dirigindo e reformulando o veículo, transformando o jornal num tabloide que tinha uma particularidade interessante: era construído a partir do zero toda noite e, diferentemente dos jornais convencionais, entrava em circulação as onze da manhã.
 
Nessa época, Alberto Dines fez parte de um dos episódios mais simbólicos do jornalismo brasileiro. Ele conta que estava preparando uma manchete onde denunciava que uma revista extorquia dinheiro de pessoas públicas, ameaçando-as com fotos comprometedoras. O episódio teria levado um cineasta ao suicídio, o que fez com que Dines escrevesse a manchete: “Imprensa amarela leva cineasta ao suicídio". A expressão ‘imprensa amarela’ vem de yellow press, termo americano usado para definir veículos sensacionalistas. Acontece que o chefe de reportagem do Diário na época, o jornalista Calazans Fernandes, achou que a expressão era amena demais para o caráter trágico da notícia e sugeriu trocá-la por imprensa marrom, pois, segundo ele, o marrom era uma cor bem mais desagradável. Dines aceitou a sugestão e a expressão acabou sendo eternizada no jornalismo brasileiro como sinônimo de sensacionalismo. A manchete do Diário daquele dia teve tanta repercussão que a revista em questão foi fechada pouco tempo depois.

Após sua passagem pelo Diário da Noite, Dines passou mais de uma década a frente do Jornal do Brasil, boa parte do qual durante a ditadura. “Apesar da censura conseguimos nos sair bem”, conta. Após contrariar o governo e publicar assuntos que eram proibidos pela censura, foi demitido do JB e se mudou para os estados Unidos, viagem que viria a ser fundamental para a criação do Observatório.

Nos EUA, o caso do escândalo político de Watergate fez com que um fenômeno aflorasse: a mídia passou a discutir sobre a forma como a própria mídia tratava o assunto. Dines, então professor convidado da Universidade de Colúmbia, observou com atenção o movimento.

Voltou ao Brasil em 1975 para trabalhar na Folha de S. Paulo, a convite de Cláudio Abramo. Aceitou escrever sobre política, mas havia uma condição. Ainda interessado nas discussões que presenciara nos EUA, pediu um espaço a Octávio Frias, dono do jornal, para escrever e discutir sobre a própria imprensa brasileira. “Eu lembro que Frias olhou para mim e disse: ‘Você está louco! Vai arranjar um monte de inimigos!’. E arranjei mesmo...”, relembra com um sorriso irônico.

Frias leu o primeiro texto da coluna e gostou. Mandou coloca-la na edição de domingo, com destaque na página seis da Folha (espaço hoje ocupado pelo Ombudsman). O espaço recebeu o nome de O Jornal dos Jornais. “Minha coluna não era Ombudsman, mas digamos que foi um precursor”, salienta Dines.

Em meados da década de noventa, desenvolvendo o conceito de crítica da imprensa sobre a própria imprensa, Dines criou o Observatório da Imprensa. Criado na web, em 1996, o Observatório chegou posteriormente à TV, ao rádio e ao formato impresso. “O leitor quer ser tratado com inteligência porque ele se considera inteligente. O Observatório é um fórum em movimento. Discutimos ideias sobre o jornalismo tentando fazer um bom jornalismo”, explica.

O bom jornalismo citado por Dines tem relação direta com o meio impresso. Embora tenha se rendido parcialmente ao meio digital, é no impresso que Dines vê a essência do jornalismo. Para ele, é lendo no papel que as pessoas mergulham mais profundamente no que está escrito. Além disso, Dines têm uma teoria interessante sobre a relação entre tempo, história e jornalismo. Ele explica que “o jornalismo impresso é periodista. Isso significa que, quando a edição fecha, você tem que fechar seu olhar sobre o assunto e arredondar a história que você tem até aquele ponto, para, se for o caso, reabri-la novamente posteriormente”. Jornalismo impresso é, então, um constante recorte de momentos. Talvez por isso não será extinto mesmo que, nas palavras do jornalista, “tenha que se adaptar aos novos tempos”.

O conceito de periodismo defendido por Dines dá ao jornalismo – especialmente ao impresso - um caráter histórico. “O jornalista é um historiador sob pressão”, comenta. “Para que possamos olhar com mais certeza para o futuro [da imprensa] seria bom olhar para o passado. É lá que encontraremos a explicação de porque somos assim hoje”.

Um rapaz na plateia pergunta o que o jornalista pensa a respeito do diploma como exigência para exercer o jornalismo.  “Sou a favor do diploma”, diz enfático, “mas a academia é muito engessadora. O ideal era que tivéssemos um curso de jornalismo como pós-graduação, algo mais profissionalizante, parecido com o modelo dos Estados Unidos”, explica.

Quando parecia que nada mais surgiria da conversa nos momentos finais que se seguiriam, Dines é questionado sobre o que pensa do futuro do país. Reflete. “Eu acho...”, começa e para. “O quadro não é bom, embora eu seja um otimista”, fala para logo em seguida completar “O problema é de vocês!”, finaliza arrancando novamente risos dos presentes.